Maria Lopes

Maria Lopes

sábado, abril 20, 2013

A perda da arte de curar


Na medida em que a medicina oficial com sua ciência de curar vem melhorando com o passar do tempo, a arte da cura vem sofrendo mudanças negativas traumáticas. A abordagem biomédica tendeu a colocar uma distância entre o médico e o paciente, parcialmente devido ao fato da doença e o paciente dominarem a atenção do médico.
Os historiadores da medicina geralmente concordam que uma das primeiras peças de tecnologia que deu início ao processo de despersonalização na medicina apareceu em 1819. Naquela época um médico francês, René Laennec, escreveu um livro que foi muito valorizado descrevendo a técnica da auscultação, a ciência de fazer um diagnóstico através da escuta dos sons internos do corpo humano. Essa nova e revolucionária técnica deu ao médico uma maneira completamente nova de coletar informações sobre o coração, os pulmões e o estômago do paciente; com a ajuda do novo “hardware” do Dr. Laennec, o estetoscópio.
Essa ferramenta maravilhosa permitiu aos médicos fazer exames mais precisos, assim como obter importantes informações sobre os órgãos internos de seus pacientes. Isso também transformou radicalmente e para sempre o antigo ritual do exame físico dos pacientes, como ele era feito até então.
O advento do estetoscópio
eliminou a velha prática médica de pressionar o ouvido no peito do paciente. O estetoscópio substituiu esse gesto com algo mais informativo, mas também menos íntimo. Essa invenção eliminou o suavizante efeito do toque humano, que o médico e autor Lewis Thomas descreveu como: “o mais velho e efetivo ato dos médicos”.
Em meados de 1800 outros instrumentos de diagnósticos juntaram-se ao estetoscópio na maleta do médico: o oftalmoscópio (para examinar os olhos), o laringoscópio ( para examinar a garganta) e o otoscópio (para examinar os ouvidos). Os testes clínicos e a tecnologia usada para a realização de diagnósticos reforçou (e estigmatizou) mais tarde a imagem do paciente como um objeto de estudo. Toda essa maravilhosa parafernália para exames e diagnósticos que a ciência moderna conseguiu desenvolver ao longo das ultimas décadas nos faz sentir cada vez mais que o paciente tornou-se cada vez menos um ser humano com uma doença e cada vez mais um amálgama de dados médicos. E o resultado que todos nós sentimos hoje é que nós, nos dias de hoje, deixamos de ser pacientes e nos tornamos espécimes.
Para um paciente que procura um médico para tratar de uma gripe forte, uma perna quebrada ou uma alergia, o fato de não ser tratado com um pouco mais de atenção, delicadeza, solidariedade e compaixão não faz muita diferença (ou faz?), afinal, sua gripe ou perna quebrada não o fará um frequentador assíduo do consultório do médico que ele procura, ou para ser mais dramático, um ambulatório do SUS!
Mas, quando pensamos em pessoas portadoras de doenças degenerativas como renais crônicas, câncer, AIDS e outras tantas mais, a coisa muda radicalmente de figura. A maioria dos pacientes acometidos dessas doenças absorve muito rapidamente a ideia de que esses diagnósticos estão relacionados a uma sentença de morte. Quando entram pela primeira vez num posto de atendimento emergencial, um ambulatório publico ou no consultório médico, levam a dor profunda da aceitação (ou negação) do diagnóstico, o pânico diante da possibilidade de morrer, a angústia da incerteza quanto ao seu futuro, a vergonha advinda dos estigmas que a doença traz, enfim quando esse paciente vai a procura de socorro médico ele é muito mais um ser humano precisando de apoio, de um gesto solidário, do que um tumor a ser combatido ou um sistema imunológico necessitando de reparos.
Prefiro não me ater aos descasos absurdos que frequentemente tomamos conhecimento na midia sobre condutas médicas desumanas, sobre o (des)tratamento que essas pessoas recebem nos prontos-socorros do nosso país. Eu prefiro ressaltar a magnitude das condutas humanas e solidárias de muitos profissionais que lidam com doenças crônicas, espalhados pelo Brasil. Esses profissionais, principalmente os que trabalham em centros de atendimento público são pessoas que vivem sob constante estresse, causado pelas péssimas condições de trabalho, pela falta de acesso a uma monitoração necessária para o acompanhamento das terapêuticas de seus pacientes, pelos salários baixos, pela falta de condições de atualização sobre condutas e terapias, e como não poderia deixar de mencionar, pelo desinteresse da maioria dos pacientes, que não querem informar-se com profundidade sobre a doença e os tratamentos disponíveis, que não tem uma atitude positiva para com o tratamento adotado para o seu caso, que não seguem com rigor as prescrições terapêuticas, que mentem e omitem informações importantes para a avaliação e condução de seus tratamentos.
Um bom tratamento para qualquer doença requer um bom profissional, que não seja presunçoso, considere-se onisciente ou o dono da verdade. Ao contrário, ele deve ser aberto ao diálogo, estudioso, paciente e capaz de entender e ser solidário para com os seus pacientes, ser capaz de um gesto de afeto e consideração e, sobretudo, ser capaz de sorrir e ser otimista. Mas se esse profissional tiver diante de si um paciente que desconhece as informações mais básicas sobre sua doença, que não traz dúvidas ao consultório, que é apático ao tratamento, é pessimista e desleixado para com a sua saúde e não se propõe a um projeto de qualidade de vida, então, nessas condições, deve ser difícil ser terapeuta. Em qualquer contexto, a relação entre o profissional de saúde e o paciente deve ser uma relação de parceria, de cooperação e franqueza.
Este artigo foi escrito por * Humberto Mello, arte-terapeuta e fitoterapeuta Extraído:  terceiromilenionline.com.br

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