Maria Lopes

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quinta-feira, junho 02, 2016

"Santa ou vadia não te devo nada","Por todas elas de repúdio à cultura de violação" das mulheres.


                Isto já não é sobre o Brasil

MARGARIDA DAVID CARDOSO  01/06/2016 
Começou por ser uma manifestação de repúdio da violação de uma jovem de 16 anos por 33 homens no Brasil. Mas esta quarta-feira, centenas de pessoas saíram à rua no Porto contra a "discriminação institucionalizada das mulheres" e a cultura de violação.
Começou por ser uma manifestação de repúdio da violação de uma jovem de 16 anos por 33 homens no Brasil. Mas esta quarta-feira, centenas de pessoas saíram à rua no Porto contra a "discriminação institucionalizada das mulheres" e a cultura de violação.

“silêncio que grita”no Porto, à manifestação 
Podemos sempre ter voz. Aqui, numa conversa do café ou numa loja. Podemos reprovar uma atitude, um comentário machista, seja do nosso pai, seja da nossa mãe, seja de quem for. Em qualquer lado devemos falar." Na mão, Joana Alves, de 27 anos, trazia um cartaz onde se lia "Santa ou vadia não te devo nada". Escreveu-o para levar esta quarta-feira à Avenida dos Aliados, no Porto, à manifestação "Por todas elas de repúdio à cultura de violaçãodas mulheres. O recente caso da jovem de 16 anos violada por 33 homens no passado dia 21 de Maio, no Rio de Janeiro, lançou a chama e fez a manifestação acontecer. Mas isto já não é só sobre o Brasil.
Com as palmas das mãos vermelhas, deitados no chão, num “silêncio que grita”: começou com esta performance a manifestação no Porto, organizada por iniciativa de um grupo de cidadãos que quis responder ao apelo feito por movimentos sociais brasileiros de luta contra a cultura de "estupro" (violação). Nos Aliados, juntaram-se centenas de pessoas, ao mesmo tempo que o protesto acontecia em Lisboa e em Coimbra. “Aqui usamos o silêncio, porque é a isto que querem reduzir as vítimas. Pondo sempre em questão a palavra e o sofrimento delas, fazendo-as reviver a violação em todos os processos judiciais. Mas, ao mesmo tempo, o nosso é um silêncio que grita”, explicou ao PÚBLICO Aira Suárez, uma das organizadoras.
“Este caso não é um caso isolado no Brasil, nem o é no resto do mundo. Já achar que em Portugal isto não acontece, é ser-se ingénuo. Estamos aqui por esta menina, mas também por todas as outras mulheres que em qualquer parte do mundo sofrem este tipo de violência”, defendeu Aida Suárez. Uma violência que lhes é destinada e que, na opinião destes manifestantes, não é fruto de uma cultura individual. “Há um ódio institucionalizado contra as mulheres, uma autêntica cultura de violação. Quem viola não o faz por doença. É fruto de centenas de anos de misoginia e de ódio às mulheres”, ouve-se num discurso emotivo de Inês, aplaudido pelos manifestantes.
“Devemos aproveitar esta onda para lutarmos por uma causa que está adormecida”, destacou Sandra Moreira. “Ainda vivemos numa sociedade muito patriarcal, no Brasil e em Portugal. Os direitos das mulheres ainda estão em causa no mundo inteiro”, afirmou ao PÚBLICO e destacou o caso de Portugal, onde em 2015 morreram 27 mulheres vítimas de violência doméstica.
“Estamos aqui para dizer que o corpo nos pertence. Que não é da Igreja, nem do Estado, nem dos homens. No meu corpo, mando eu. Meu corpo, minhas regras”, o mote foi dado pelas organizadoras e as palavras de ordem passaram a ouvir-se espontaneamente durante as duas horas de manifestação. “Segundo os números, que são sempre melhores que a realidade, por esta altura já mais de 10 mulheres foram violadas no Brasil”, destacou uma das organizadoras.

Cultura de violação

Apesar de feminista, esta não foi uma manifestação só de mulheres, nem só sobre violação. “Isto é uma questão de dignidade humana”, ouve-se por diversas vezes. “Quantas vezes já pediste a um amigo para te levar até à porta de casa porque tinhas medo? Quantas vezes já mudaste de roupa porque tinhas medo do sítio para onde ias? Quem aqui já foi tocada sem consentimento? Quem aqui já teve vontade de fazer alguma coisa num espaço em que não se podia defender?”, pergunta uma das intervenientes. Quase todas as mulheres ergueram os braços.
“São estas pequenas agressões que nós toleramos todos os dias que formam a cultura de violação e uma cultura de medo”, afirmou Beatriz, de 17 anos. Os estudos estão do seu lado quando contraria a opinião dos pais de que os agressores “são homens doentes”. Os últimos estudos indicam que a maioria dos violadores não apresenta qualquer perturbação psíquica, ou abuso de álcool ou drogas.
Esta quarta-feira, nos Aliados, os manifestantes rejeitaram o Governo de Michael Temer, que dizem tratar-se de um “golpe patriarcal, machista e racista.” A discussão em volta da política brasileira surge numa altura em que o novo Governo é favorável à proposta de Eduardo Cunha que pretende dificultar o acesso ao atendimento nas unidades de saúde das vítimas de violação. Estão também em cima da mesa propostas para limitar o direito ao aborto (legal em casos de violação, de risco para a mãe ou caso o fecto seja acencéfalo), e limitar o acesso à pílula do dia seguinte.
https://www.publico.pt/sociedade/noticia/isto-ja-nao-e-sobre-o-brasil-1733803

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